quarta-feira, outubro 5

o nosso (a)braço de mar


No mesmo dia em que verti as primeiras lágrimas de frustração, stress, senti a vibração intensa de tudo à minha volta.
O percurso para a DRE - Direção Regional de Educação - onde tenho estado a dar formação, combina um ambiente de cidade colonial decadente com o meio rural. Estamos na sede do Instituto Camões, numa sala de formação enriquecida, não no que é visível, mas pela vontade. Estou fascinada com o grupo de formadores do nosso programa que, perante um sistema educativo mortiço, caótico, desestruturado e anárquico, se recusam a baixar os braços. Eles acumulam cargos: são, além de formadores, professores, inspectores, directores de escolas, enfim. E como acumulam cargos, acumulam horas de trabalho e mesmo assim investem na sua própria formação e na formação dos professores guineenses que não foram dotados das competências necessárias para exercerem essa função ou, simplesmente, a exercem porque na sua tabanca são o recurso humano mais adequado para tal. E a beleza disto tudo intensifica-se na humildade que têm, na vontade de mais e melhor.
Este caminho diário tenho-o feito de bicicleta: na terra que percorro cruzo-me com porcos, cabras, galinhas, pessoas de cá: ora "bom dia", ora "branco", já aconteceu "chinês", por crianças sinceras que não guardam o que pensam.
Em África tudo é mais intenso: os cheiros, as cores, a falta ou ausência, o essencial e a noção disso, o sol, a chuva, os sorrisos, as lágrimas. E lembro-me que foi neste continente que apareceu o principezinho que ensinou que o essencial é invisível aos olhos.

nova casa

viemos para Canchungo no dia internacional da paz. acho que memorizei isto porque lhe atribuí significado: vou precisar de alimentar muito bem a minha paz interior para viver bem numa casa húmida e escura. vale-me de muito a minha companheira de casa que, mesmo sem se aperceber, me dá força e boa disposição. Integrar esta forma de viver não é fácil e sinto que vou passar por transformações.
é estranho como se pode vivenciar o tempo de formas tão diferentes. estou cá na Guiné-Bissau há quase um mês e parece que já passou imenso tempo. por tudo ser novidade. e a rotina que estrutura os dias ainda mal se instalou, muito menos haverá espaço para que alguma indiferença.
uma viagem longa, que continuará a fazer sentido sempre que me conseguir encontrar neste caminho. crescer dói, mas é muito bom. e pensar que a saudade dói, mas vai de certeza temperar o reencontro, apertar ainda mais aquele abraço.

segunda-feira, setembro 5

mudança

eu confesso que não tenho dado muita prioridade a este meu espaço que prometi a mim mesma cuidar. mas as razões têm sido válidas, de repente vou para a guiné bissau, trabalhar com uma equipa fantástica de uma ong. é preciso ter cuidado com o que se deseja, porque pode mesmo acontecer. com tanta informação nova a abraçar e pessoas a deixar por cá, tem sido difícil sequer parar. e o que assusta é saber que nunca nada mais vai ser igual. é tempo de mudança.

segunda-feira, agosto 15

os amigos são o melhor do mundo

quando dizem que os amigos são o melhor do mundo, esquecem-se de dizer porquê. os amigos são aqueles que nunca te deixam. dizem-te na cara o que pensam e o que sentem perante o caminho que estás a tomar, seja ele bom ou menos positivo. são o que são, na sua genuinidade deles; e gostam de ti assim, na tua genuinidade. assumem os seu egoísmos perante ti. apreciam as tuas qualidades e sublinham-nas, vão buscá-las na conversa. os amigos cuidam, sabem quando estás mal. procuram estar perto, não julgam, amam, independentemente das diferenças que a vida traz.



domingo, agosto 14

jantares cor-de-rosa


os jantares cor-de-rosa são encontros de amigas. fala-se de tudo, de amor, de família, de amigos, de problemas. sofre-se com as situações de umas, rimo-nos de situações de outras. fala-se de sexo, partilha-se opiniões, mas sempre com uma maturidade e honestidade que me surpreendem sempre pela positiva. (gosto imenso de ser surpreendida pela positiva, quem não gosta?)fala-se de doenças, de tragédias, de pormenores, histórias mínimas e qualquer uma que até possa ser pequena ou ridícula é assumida com importância.
e foi assim, um jantar que nem de propósito acabou por ser feito de ervilhas-de-cheiro cor-de-rosa (que têm um cheiro que me leva à infância), rosé, gelado de frutos vermelhos. com todas reunidas, um verdadeiro jantar cor-de-rosa.

terça-feira, julho 19

Arcade Fire - No Cars Go



ir a um festival era uma das coisas de que não me tinha apercebido de que tinha saudades até voltar a ir. ao super bock super rock. a aventura começa com a preparação do material de campismo e com a ideia de levar a casa às costas. mas uma casa light, despojada. I travel light. e depois a euforia da música, e uma banda de sempre - Portishead. e uma mais recente banda de sempre - Arcade Fire. E sinto-me uma adolescente, mas com outra consciência, outro sentido mais completo de vivenciar.

Já não vinha cá há uns tempos, senti-me vazia para escrever o que fosse, acho que foi um momento de absorção e digestão. mas tento sempre lembrar-me que a escrita é sempre uma questão de honestidade. comigo mesma. e é isso que nos torna mais humanos, não é?

quinta-feira, junho 9

home, sweet home

sou uma rapariga de dar oportunidades. a coisas que sei que à partida não me atraem, com que não me identifico. e uma oportunidade de trabalho tem-me levado estas semanas a Lisboa. mas sempre soube que não era um sítio onde gostasse de viver, na grande cidade. sou uma rapariga de lugares mais tranquilos, cidade sim, mas com uma dimensão que consiga reunir o melhor de dois mundos: ofertas e diferenças culturais mas também o calor, o acolhimento de quem é dali. na grande cidade vê-se uma tristeza e solidão intrínsecas, que são uma forma de viver. e parece que vivo uma rotina que não é minha, a rotina do metro, da confusão, mas de uma personagem que ando a experimentar, o que acaba por ser interessante para mim também, claro. mas sou cada vez mais rural, é certo, no sentido em que, para me sentir bem, tenho mesmo de viver a um ritmo mais calmo do que o que a grande cidade impõe. e ainda por cima mulher do norte, que pressupõe uma série de valores - que prefiro chamar de coisas boas - é inegável. ir e vir acaba por ser bom, uma experiência como outras. e voltar a casa, onde ela é agora, é cada vez melhor.


sexta-feira, maio 27

querida avó


tenho saudades do teu lugar na minha vida, das tuas mãos fortalecidas pelos trabalhos de mãe, de avó, da tua disponibilidade sempre total para me leres, da luz do final do dia na tua cozinha, da cevada e regueifa com planta ao pequeno almoço, antes da missa de domingo, do pão com ovo estrelado ao sábado à noite.. e de todos os nossos debates em que discutíamos as nossas perspectivas encarceradas pelas vivências de cada uma e diferença de idades... no fim, já só houve espaço para o interesse e amor com que aprendíamos e ensinávamos as diferenças uma à outra. ou talvez para as semelhanças. e ficou a tua imortalidade, nas minhas memórias, em objectos e móveis espalhados pela minha casa, na forma como em frente ao espelho apanho o cabelo e pinto os lábios de um vermelho suave. quem já não está cá é imortal em mim e nas histórias que revivo ou conto, até eu desaparecer e quem já fora, ser apenas um retrato a preto e branco numa caixa esquecida.

domingo, maio 22

Another Year



gosto de filmes e histórias sobre pessoas normais. o Mike Leigh faz filmes assim, tem o dom de contar histórias sobre a humanidade em cada um de nós, uns mais heróis do que outros, mas todos com um interesse e uma honestidade incríveis, na sua vida normal e real. não é isso também que se procura nas histórias? - encontrarmo-nos em cada uma delas, no mais belo e no mais obscuro.

quinta-feira, maio 19

a dor de ser





há dias em que tudo está bem, o sol raia no céu, mas pelo corpo e pela alma perpassa uma dor, aparentemente ser razão alguma. e a música certa a tocar alimenta esse sabor, o da dor de ser.

sexta-feira, maio 13

no primeiro dia de praia…




reaprende-se a familiaridade da areia nos pés, vive-se a excitação pueril dos mergulhos no mar seguidos por aquela serenidade que o sol pousa na pele. a praia fez sempre parte e continua a despertar em mim a mesma alegria que despertava na minha infância e adolescência, ainda que se torne mais demorada a entrada no mar frio. o primeiro banho, ainda que nunca o tenha tomado em janeiro, tomo-o sempre como uma espécie de consagração, um ritual de limpeza da alma, das energias, do espírito. um começar de novo. e sentir-me pequenina naquela imensidão é estranhamente bom.

segunda-feira, maio 9

Au Revoir Simone-The Lucky One

lolita


dou por mim a pensar num céu de gatinhos que brincam e dormem confortáveis em nuvens fofinhas, ou que um dia vou conhecer alguém em quem ela terá reencarnado. é assim que funciona muita gente perante a morte, não é? a lolita foi uma gatinha muito especial, de olhar forte, espirituosa e com uma energia e ternura que marcaram a minha vida, a da gata júlia e a de todos os amigos que conviveram com ela cá em casa. só me resta mesmo agradecer o mimo que ela me deu, a companhia fiel, como se de um cão se tratasse. as alminhas dos animais despertam uma ternura especial, e ocupam um lugar diferente, porque nos ensinam um amor totalmente gratuito, incondicional e que se rege por essa linguagem, a do amor por si só.

domingo, maio 1

dia da mãe

convidei a minha mãe para almoçarmos fora. porque ela nunca sai de casa, não é capaz de sair sozinha, fruto de um casamento precoce e divórcio consequente. eu podia dizer que ela investiu os melhores anos da vida dela nisso, mas e eu? nem me casei, muito menos me divorciei. ela pelo menos ainda teve tempo de ter dois filhos impecáveis. não, não há fotografia do almoço, mas posso aqui descrever que teve direito a uma praceta ao ar livre, mesa protegida da chuva morna de abril... sangria de champagne e pastas maravilhosas de marisco e vegetais frescos, como se quer. acho que posso agradecer por tudo o que sei que até ao fim da minha vida me vou esforçar por compreender, necessidades idênticas, consciências e linguagens distintas. às vezes papéis invertidos...
confortável no constante sorriso de golfinho
quero ser uma árvore enraizada na minha terra
e de braços bem abertos para a vida

sábado, março 26

Decidi fotografar um final de tarde de uma primavera amena e tardia.
Um pedaço de telhado visto por detrás de um muro banhado pelo sol - "neste final de dia tenho direito a uma luz intensa". Comido pelo tempo, onde se lê as chuvas e os sóis que já ali pousaram, diz-nos frontalmente "permaneço". E tudo em seu redor não consegue ser mais, ter mais coisas para contar, do que aquele pedacinho de telhado.
Ao fundo vêem-se plátanos. cujas folhas ondulam levemente, já escuras, banhadas pela sombra de altos eucaliptos. Escondem uma antiga e abandonada fábrica que já não existe, mas permanece como uma memória. As andorinhas ainda cantam, mas sossegadamente, e os pássaros cantam ainda na última hora de sol.
O pedaço de telhado já está coberto pela sombra, mas permanece.

segunda-feira, março 14

o meu caminho

Há qualquer coisa de regresso à vida simples que me atrai nos dias que correm. É o evitamento dos caminhos que se pagam que levam à descoberta de outros, onde descubro casas e ruas banhadas pelo sol que me inspiram curiosidade, pelas vidas calmas junto ao mar, o próprio ritmo com que se faz um percurso, mais lento. E esta cadência convida a outra vivência, a troca do destino pela vivência do caminho. Não será a tudo isto que a nossa responsabilidade é chamada? Ou pelo menos virar-nos para o prazer que a própria dificuldade nos obriga? Não sei ainda muito bem qual o desfecho das coisas, mas tudo me parece tão evidente às vezes, ir ao encontro do melhor que a vida oferece. Será isto um optimismo patológico? Não tenho vontade nenhuma de apanhar com os discursos pseudo conscientes de que a vida corre mal e vai piorar... the hell with it, não quero isso para mim e esse caminho é o único que conheço, o único definitivo.

domingo, fevereiro 20

He's Just Not That Into You - Official Trailer 2009





Aqui vai uma pergunta:
Porque é que em muuuitos filmes em que um casal vai para a cama, a gaja aparece sempre depois vestida com a camisa dele? Mesmo quando eles dormem em casa dela!! Isto é verdadeiramente estúpido ou não??! Não entendo sequer a beleza ou poesia da cena, porque até podia ser uma cena completamente ficcional, mas ter alguma poesia. Será que é porque é super sexy para os gajos? A mim uma vez um gajo ofereceu-me a própria camisa dele, que trazia vestida naquele momento, mas isso foi só porque eu estava de inter-rail e naquela noite, com as minhas amigas, trabalhei no bar dele, em Atenas, para poder beber à pala, então ele queria forçar uma cena de uniforme, e já não tinhas mais camisas… Então ofereceu-me a que ele mesmo trazia vestida. Será que foi uma tentativa de profissionalismo naquela situação, ou será que, naquele momento, o que ele quis foi mesmo viver aquela sensação sensual pós-coital conosco?
Acho que a pergunta é mesmo para os gajos…

sexta-feira, fevereiro 18

reflexões trintonas


Por muito que me considere e goste de ser desprendida de preconceitos, ideias feitas e de tudo o que é ortodoxo ou convencional, a verdade é que os meus trinta aninhos me têm abalado as ideias, me têm feito pensar. Pensar em tudo o que consegui ou não alcançar na minha vida e em tudo o que eu ainda quero fazer, sobretudo naquelas coisas que têm prazo de validade. De facto, parece mesmo que somos mais parecidos com os pais do que gostamos de admitir, acabamos por querer muitas das mesmas coisas que eles quiseram e que até há pouco tempo na minha vida não faziam grande sentido, ou simplesmente não ocupavam espaço na minha mente. E nestes dias tenho vivido entre afastar a angústia que sinto e tentar aproveitar qualquer que seja esta consciência das coisas. E de certa forma para sentir que estava a resolver alguma coisa, ou que tinha as rédeas da minha vida seguras de forma tão determinada, dei por mim a investir num bom creme de rosto diário, com factor de protecção solar, o meu primeiro anti-rugas…

quarta-feira, fevereiro 2

Gato

Meteu a chave na porta, rodou o trinco e entrou. Aquelas idas à loja do Sr. Américo só se mantinham para sair um pouco de casa. E, de passada já cansada, fez estalar o soalho até à cozinha onde colocou os sacos de compras. Sob aquela luz de final de tarde, tudo ali parecia prolongar-se na sua existência compassada pelo tiquetaque do relógio.
Descalçou-se e guardou os sapatos na estante coberta pela cortina de flores. Depois de vestir a bata desbotada, sentou-se no banco e, com a velha faca, aproveitou a maçã já pisada que os netos teimavam em ir deixando no fundo da fruteira. Desejou que entrassem porta adentro e lhe enchessem a casa de movimento e gargalhadas. Entre esses momentos e as tarefas domésticas já só havia lugar para as memórias mais antigas e a dor da perda trazidas com elas.
O gato roçou-se-lhe nas pernas e decidiu começar a preparar a sopa.

Fim

domingo, janeiro 30

do porto com amor




O Porto é assim. São inúmeras as odes a esta cidade e de certa forma, não me importo nada de cair neste lugar comum, porque o Porto é uma cidade que sobrevive a qualquer cliché.

segunda-feira, janeiro 24

A Parteira de Maria Antónia

Olhou-se no espelho e, com a mesma destreza e rapidez de sempre, apanhou o cabelo liso e comprido num puxo. Não se preocupava com as brancas que via comerem o negro jovem do seu cabelo. Quando precisava de cortar as pontas baças e sua prima Alice lhe propunha pôr um tom sobre tom, dizia:
- Oh! Lá estás tu! Pra quê? Daqui a um mês lá tenho eu de vir pr’aqui outra vez e ficar sentada uma hora à espera que isto pegue! Tenho muito que fazer! Não tenho paciência para andar a correr para o cabeleireiro!”
Preparou a cevada e o pão torrado com planta que comeu encostada à banca da cozinha, passou os dedos por água e secou-os no pano da louça. Pegou na sua mala preta e gasta e saiu de passo ligeiro para o centro de saúde. Tinha trabalho marcado para as nove e meia. Já não era como dantes, agora as crianças nasciam com dia e hora marcada, de acordo com a disponibilidade da doutora.
- Ai que rica menina! – não se inibia nunca de exclamar.
Já há quase trinta anos que os seus braços robustos eram os primeiros a receber as crianças daquela terra e nem por isso, para si, aquele era um trabalho como outro qualquer. Fazia-o com gosto e bem! Talvez por ter esse dom compreendesse por que Deus se esquecera de lhe oferecer a bênção de ser mãe.
Cinco anos depois não permitira que aquela rica menina, órfã de pais acidentados, ficasse sozinha no mundo e, com os mesmos braços fortes com que a recebera no mundo, entrançava-lhe os cabelos pesados e escorreitos numa fita cor-de-rosa. Ouvia agora a sua voz sonante amaciada pelas histórias de adormecer.
Fim

sexta-feira, janeiro 14

coisas pequenas




Coisas pequenas são
coisas pequenas
são tudo o que eu te quero dar
e estas palavras são
coisas pequenas
que dizem que eu te quero amar.

Amar, amar, amar
só vale a pena
se tu quiseres confirmar
que um grande amor não é
coisa pequena
que nada é maior que amar.

E a hora
que te espreita
é só tua.
Decerto, nao será
só a que resta;
a hora
que esperei a vida toda,
é esta.

E a hora
que te espreita
é derradeira.
Decerto já bateu
à tua porta.
A hora
que esperaste a vida inteira,
é agora.

quinta-feira, janeiro 13

um dia de sol em janeiro




Hoje, a minha estrela de natal, a minha única decoração deste último natal, foi dada como morta. As pétalas perderam o vermelho forte, ganhou bolor entre a terra e uma raíz já apodrecida... Andei uns dias a ver até que ponto ela podia aguentar, andei uns dias a evitar aceitar. Mas um dia de sol em janeiro traz a vontade de mudança prometida no primeiro dia e a esperança de outras estrelas de natal. Mudança de móveis na sala, para que o móvel antigo, da minha avó, transmita a sabedoria da esperança aos mais novos.