terça-feira, dezembro 18

I travel light

Neste para trás e para a frente, viajo com o indispensável na mochila. Mesmo no poiso que mais se aproxima do que é a casa, o "settling" é leve, despojado de muitas coisas que evito acumular. E não preciso de mais, de mais coisas. Mas preciso de me sentir mais em casa. E nestes frescos 32, há desejos que se definem e caminhos que se desenham. Depois de ir há sempre a necessidade de voltar. Fecho os olhos e o meu coração enche-se com a antecipação dos abraços apertados, as lágrimas no canto do olho, aquela vontade de querer contar e não saber por onde começar...

sexta-feira, novembro 9

a mulher da GB

A mulher guineense, e suponho que a africana em geral, anda de cabeça erguida, exibindo com confiança as curvas e as cores que se multiplicam nos panos, nas blusas e nos lenços na cabeça. Embora trabalhe tanto ou mais que dez homens juntos, nunca ouvi nenhuma a queixar-se. Ainda se fala da emancipação feminina... emancipação masculina precisa-se!

quarta-feira, novembro 7


Um companheiro de viagens que me faz perguntas como "Os teus pais estão de vida?", "O teu irmão é simples assim como tu?", contou-me que Deus deu o nome de Vicente ao burro, mas, como ele se esquecia sempre do seu nome, passou a ser chamado de burro! "O burro é um animal que protege à noite dos espíritos, dos lobos, das coisas más assim. Mas se te cortas e sangras e queres ir para o hospital no burro, não vais chegar lá com vida".

domingo, novembro 4

E depois de umas férias merecidas na casa portuguesa, voltar à GB, ainda que de espírito renovado, está a ser mais desafiante. Por aqui o caminho agora é feito com os pés mais assentes na terra e um olhar menos sonhador; a magia fácil deu lugar a uma integração mais racional, a uma visão menos romântica e paciente. As dificuldades grandes e pequeninas são vividas com uma intensidade que dói, mas que se aprende a aceitar num exercício constante. E essa flexibilidade vai sendo exercitada todos os dias, várias vezes, fortalecendo um lado de mim que eu quase desconhecia. Mas essa solidez não se impõe nem rouba espaço à sensibilidade, que continua aguçada por toda a beleza, ou falta dela, por toda a riqueza, ou falta dela, por toda a compaixão, ou pela sua inexistência. Esperar o mínimo e fazer o máximo poderia ser um lema de vida, já que as expectativas devem ser sempre refreadas por aqui e se trabalha sempre para fazer o máximo e o melhor de todos os dias, das pequenas dádivas, mesmo de coisas simples, como gerir as horas de electricidade. Por aqui a percepção e reconhecimento dos pequenos milagres diários estão mais alerta e por isso tudo continuo a sentir uma enorme gratidão.

terça-feira, maio 15


 
Houve alturas na minha vida em que sentia que era demasiado fraca para ser ambiciosa. Nunca tive a intenção de ter uma grande carreira, aliás nunca soube o que queria fazer... e ainda que tenha descoberto um trabalho que me preenche de uma forma que nunca conheci, continuo sem ter um objectivo muito concreto. Vou caminhando e o caminho vai-se abrindo para mim, vou podendo ver mais além. Nesses tempos, além de pensar que a vida aos trinta estaria decidida e resolvida, pensava que ser-se bem sucedido era construir uma carreira profissional em formato yuppie. Depois comecei a perceber que a vida não se instalava aos trinta, aliás, muita coisa despertava nessa idade e continuaria felizmente a aprender e, que muitas ou a maioria dessas aprendizagens passariam por coisas inimaginadas aos quinze, sendo que muitas delas acabariam algumas vezes por corresponder não ao que queria, mas ao que precisava. E com essas primeiras aprendizagens, a ambição de desconstruir as minhas limitações; ultrapassar os meus medos; aceitar e reconhecer o que é humano em mim e nos outros; potenciar. E o agradecimento diário.

sexta-feira, abril 27

medos

Estar e viver na Guiné tem-me ajudado a relativizar medos. Qualquer pessoa que saia da sua zona de conforto sente-se inseguro ao mudar de lugar. E sair de um país seguro num continente como a Europa, para um país africano, onde a instabilidade pode ser a surpresa do dia, alimenta e trabalha uma capacidade que todo o ser humano tem, mas que a flexibiliza conforme pretende ou lhe é exigido, a da paciência e tolerância. Guiné precisa di bu paciência. Ou África precisa di bu paciência. E esta impermanência não se confina ao acto de esperar pelo tempo que é necessário que decorra até que as coisas aconteçam nos nossos moldes, mas de tolerância e respeito pelas coisas que não vão de encontro a eles. Eu sempre achei que a humildade era um pilar que permitia, sustentava e abençoava a aprendizagem e, mesmo tendo essa lição corroborada em inúmeras pequeninas situações, nunca o vivi de uma forma tão intensa e generalizada como agora, depois da Guiné. Houve gente que me disse, que me avisou: há um antes e um depois de África. E há mesmo. Eu poderia tentar explicá-lo ou defini-lo como uma flexibilização de padrões, de formas de estar, celebrizada com a partilha de uma garrafa de vinho com um guarda nocturno de hotel. Deixar de ver uma qualquer pessoa como uma pessoa qualquer com quem se pode partilhar histórias, olhares cúmplices que conhecem, como eu, do que são as dores do mundo, da música que toca, do amor. Isso é humildade, sempre em letra pequena; isso é dar a outra face, sentir a compaixão, aceitar, integrar. Se existe, faz parte. E resolve-se confiar, porque a surpresa é, na maioria das vezes boa. Tantas vezes entrei sozinha em táxis depois de anoitecer a pensar que tudo seria possível. E a realidade surpreendeu-me sempre com uma conversa de mim pra ti, entre nós iguais, com as mesmas bondades, maldades, humanidades. E que o medo venha, depois, se for preciso, mas não sem saber, sem conhecer. E continuo a sentir-me grata por isso, pela Guiné no meu caminho e continuo a querer voltar, ainda mais. Espero e desejo-os bem. À Guiné, aos meus que lá estão e a todos os guineenses.