sexta-feira, abril 27

medos

Estar e viver na Guiné tem-me ajudado a relativizar medos. Qualquer pessoa que saia da sua zona de conforto sente-se inseguro ao mudar de lugar. E sair de um país seguro num continente como a Europa, para um país africano, onde a instabilidade pode ser a surpresa do dia, alimenta e trabalha uma capacidade que todo o ser humano tem, mas que a flexibiliza conforme pretende ou lhe é exigido, a da paciência e tolerância. Guiné precisa di bu paciência. Ou África precisa di bu paciência. E esta impermanência não se confina ao acto de esperar pelo tempo que é necessário que decorra até que as coisas aconteçam nos nossos moldes, mas de tolerância e respeito pelas coisas que não vão de encontro a eles. Eu sempre achei que a humildade era um pilar que permitia, sustentava e abençoava a aprendizagem e, mesmo tendo essa lição corroborada em inúmeras pequeninas situações, nunca o vivi de uma forma tão intensa e generalizada como agora, depois da Guiné. Houve gente que me disse, que me avisou: há um antes e um depois de África. E há mesmo. Eu poderia tentar explicá-lo ou defini-lo como uma flexibilização de padrões, de formas de estar, celebrizada com a partilha de uma garrafa de vinho com um guarda nocturno de hotel. Deixar de ver uma qualquer pessoa como uma pessoa qualquer com quem se pode partilhar histórias, olhares cúmplices que conhecem, como eu, do que são as dores do mundo, da música que toca, do amor. Isso é humildade, sempre em letra pequena; isso é dar a outra face, sentir a compaixão, aceitar, integrar. Se existe, faz parte. E resolve-se confiar, porque a surpresa é, na maioria das vezes boa. Tantas vezes entrei sozinha em táxis depois de anoitecer a pensar que tudo seria possível. E a realidade surpreendeu-me sempre com uma conversa de mim pra ti, entre nós iguais, com as mesmas bondades, maldades, humanidades. E que o medo venha, depois, se for preciso, mas não sem saber, sem conhecer. E continuo a sentir-me grata por isso, pela Guiné no meu caminho e continuo a querer voltar, ainda mais. Espero e desejo-os bem. À Guiné, aos meus que lá estão e a todos os guineenses.