segunda-feira, janeiro 24

A Parteira de Maria Antónia

Olhou-se no espelho e, com a mesma destreza e rapidez de sempre, apanhou o cabelo liso e comprido num puxo. Não se preocupava com as brancas que via comerem o negro jovem do seu cabelo. Quando precisava de cortar as pontas baças e sua prima Alice lhe propunha pôr um tom sobre tom, dizia:
- Oh! Lá estás tu! Pra quê? Daqui a um mês lá tenho eu de vir pr’aqui outra vez e ficar sentada uma hora à espera que isto pegue! Tenho muito que fazer! Não tenho paciência para andar a correr para o cabeleireiro!”
Preparou a cevada e o pão torrado com planta que comeu encostada à banca da cozinha, passou os dedos por água e secou-os no pano da louça. Pegou na sua mala preta e gasta e saiu de passo ligeiro para o centro de saúde. Tinha trabalho marcado para as nove e meia. Já não era como dantes, agora as crianças nasciam com dia e hora marcada, de acordo com a disponibilidade da doutora.
- Ai que rica menina! – não se inibia nunca de exclamar.
Já há quase trinta anos que os seus braços robustos eram os primeiros a receber as crianças daquela terra e nem por isso, para si, aquele era um trabalho como outro qualquer. Fazia-o com gosto e bem! Talvez por ter esse dom compreendesse por que Deus se esquecera de lhe oferecer a bênção de ser mãe.
Cinco anos depois não permitira que aquela rica menina, órfã de pais acidentados, ficasse sozinha no mundo e, com os mesmos braços fortes com que a recebera no mundo, entrançava-lhe os cabelos pesados e escorreitos numa fita cor-de-rosa. Ouvia agora a sua voz sonante amaciada pelas histórias de adormecer.
Fim

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