quarta-feira, fevereiro 2

Gato

Meteu a chave na porta, rodou o trinco e entrou. Aquelas idas à loja do Sr. Américo só se mantinham para sair um pouco de casa. E, de passada já cansada, fez estalar o soalho até à cozinha onde colocou os sacos de compras. Sob aquela luz de final de tarde, tudo ali parecia prolongar-se na sua existência compassada pelo tiquetaque do relógio.
Descalçou-se e guardou os sapatos na estante coberta pela cortina de flores. Depois de vestir a bata desbotada, sentou-se no banco e, com a velha faca, aproveitou a maçã já pisada que os netos teimavam em ir deixando no fundo da fruteira. Desejou que entrassem porta adentro e lhe enchessem a casa de movimento e gargalhadas. Entre esses momentos e as tarefas domésticas já só havia lugar para as memórias mais antigas e a dor da perda trazidas com elas.
O gato roçou-se-lhe nas pernas e decidiu começar a preparar a sopa.

Fim

Sem comentários:

Enviar um comentário